terça-feira, 24 de novembro de 2009

TESTAMENTO DE UM JOVEM DROGADO


Éramos 15 jovens, com idades de 10 a 22 anos.

Reuniamo-nos todos os dias num pequeno compartimento onde mal cabiam 7. Quem nos escutasse, facilmente interpretaria todos os gritos de dôr e angústia, gritos histéricos e actos de desespero que de nós brotavam. Enquanto a maldita droga brotava, por cigarro ou injecção, o corpo de alguns era invadido por forte excitação, dores terríveis, aceleração de ritmo respiratório. Desde as alucinações, em que os meus colegas me apareciam com as mais diversas formas, aos sons e coros que pelos nossos cérebros passavam, tudo o que se assemelhava a uma viagem ao inferno. O meu estado de saúde não me permiti- por muito tempo conviver com todos vós, até porque o meu comportamento é incerto. Se me perguntarem porque vos conto estas coisas terríveis, será talvez porque a minha vida, aos 24 anos, está prestes a acabar de tanta droga que na minha carne introduzi. E porque por mim nada poderão fazer, sinto-me obrigado a lançar um sincero apelo aos meus colegas que começaram há pouco tempo a destruir-se com a maldita droga. Por amor de Deus, deixem esse passatempo maldito que, como a mim, já matou tantos jovens que ainda não gozaram a sua vida. Os decilitros de coca, haxixe, marijuana, não poderão jamais ser substituídos pela alimentação. Deus me perdoe, mas a droga mata.

Fugi dos que vos levam por caminhos de perdição e digo-vos isto com lágrimas nos olhos e com o coração despedaçado de droga e dores. Quais os criminosos a quem interessa matar a juventude? A droga anda por

aí destruindo muitos que, como eu, acreditavam nas

vias do imaginário e do impossível.

Este é o testamento de um jovem drogado que foi afixado no Liceu Alexandre Herculano, na cidade do Porto.

Publicado no N. A. de Abril 1978

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